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O TRABALHO DO FUTURO E A CARREIRA PLURAL

O TRABALHO DO FUTURO E A CARREIRA PLURAL

O futuro do trabalho já era muito discutido antes do Covid-19 colocar o mundo inteiro de perna para o ar. O sociólogo italiano Domenico De Masi dizia que o trabalho do futuro seria vinculado a jornadas menores, com funções sendo substituídas pela tecnologia, o que aumentaria o tempo livre das pessoas. Dessa forma, ele não só propunha a volta da discussão sobre ócio criativo mas também uma ressignificação do trabalho pela humanidade, valorizando profissões das ciências humanas, trabalhos ligados a cultura e arte ou conhecimentos eruditos.

Talvez o Covid-19 tenha acelerado processos ou talvez nos faça pensar sobre o modo como trabalhamos de uma maneira completamente nova. Proponho nesse texto a seguinte reflexão: como é o trabalho do futuro? Porém, antes de olhar para a frente, vou voltar ao passado e 3 fazer recortes de 30 anos cada: o período entre 1950 e anos 1980, anos 1980 a 2010 e a partir de 2010.

No primeiro recorte, as histórias de vida se assemelhavam a um romance escrito em um livro, como um modelo a ser seguido: as pessoas se casavam e (normalmente) os homens, com ensino superior ou não, almejavam um cargo em uma empresa. Nessa época, o que define o trabalho é o emprego.

No segundo recorte, que coincide com o início da pós-modernidade, a vida deixa de estabelecer uma narrativa linear e passa a estabelecer uma história contada com “bullet points”. O casamento ainda é um marco importante, mas o divórcio passa a ser visto com normalidade. As pessoas também passam a ter uma carreira com experiências em mais de uma empresa, mas a especialidade costuma ser a mesma. O que importa é sua profissão: publicitário, economista, advogado. Passamos a ver um foco na progressão da carreira. Por exemplo, um publicitário inicia sua trajetória profissional em uma determinada agência, na área de criação. Ele vai “subindo na pirâmide corporativa” (muitas vezes sendo promovido ao mudar de agência), mas sempre como profissional de publicidade, na sub-área de criação. Ou seja: há uma trajetória, e quase sempre ela é linear.

No terceiro recorte, a partir de 2010, o trabalho atinge uma pluralidade nunca vista antes. Vou englobar essa definição como carreira plural. A vida que já tinha deixado de ser um romance para ser escrito em “bullet points”, passa a ser contada de uma maneira ainda mais dinâmica — em tweets de 140 caracteres, ou em stories de 15 segundos do Instagram.

A carreira plural não se foca no emprego ou na profissão, mas sim no que foi construído, executado, nos problemas que foram resolvidos. A trajetória linear do período anterior assume ares tridimensionais. Nesse sentido, o próprio termo carreira deixa de fazer sentido.

O indivíduo passa a exercer mais de uma atribuição, em uma ou mais empresas ao longo de sua carreira. O mundo digital criou novas funções, onde não havia profissionais treinados na academia para desempenhá-las. As universidades, que preparavam os jovens para o início de suas vidas profissionais, passam a não dar conta da miríade de novas atribuições criadas rapidamente pelo digital.

Acha loucura? Pense se você conhece alguém que, além de ter um “emprego”, também é um investidor em um pequeno negócio? Ou em alguém que leva o esporte muito a sério (podendo ser considerado um atleta). Isso são exemplos de carreira plural.

Vejo algumas condições fundamentais no desenvolvimento da carreira plural:

  • Transparência: é importante ser transparente e sempre comunicar a todos sobre os seus planos. Sou partidário de sempre comunicar as ideias e iniciativas aos seus colegas de trabalho, mesmo que tais planos sejam independentes da empresa na qual você trabalha. A noção de que o seu chefe pode ficar bravo com uma iniciativa empreendedora sua com ficou no passado (quando o foco era no emprego e na profissão). Ser mais produtivo deixa de significar mais horas trabalhadas, e passa a ser resultado da priorização e capacidade de resolução de problemas.
  • Ausência de conflitos: suas diferentes iniciativas não podem concorrer entre si. A mesma ocupação em empresas diferentes pode trazer conflitos de interesse. Por exemplo: um gerente financeiro atuando em duas empresas encontra um analista financeiro brilhante e quer contratá-lo. Se as duas empresas estiverem com a mesma vaga aberta, como ele deve priorizar a contratação?
  • Propósito: quais são os seus objetivos profissionais para além do trabalho? É comum que os objetivos e propósitos se alterem e evoluam ao longo da sua vida profissional, ou ainda, que se complementem.
  • Flexibilidade e adaptação: a velocidade da mudança se tornou fundamental. Isso vale tanto para o profissional como para a empresa. Sua empresa está pronta para acomodar um talento brilhante, fruto dessa nova definição de carreira? Recrutar profissionais somente com educação formal, especialistas no que fazem e que trabalham das 9h às 17h religiosamente está com os dias contados.

E você, está preparado para a carreira plural?

Por: João Francisco Sverzut Baroni – CEO (Chefe Executivo de Ofício) da Engemasa.
Fonte: Jornal Primeira Página